25 de outubro de 2014

Menina de Asas

Naquele reino, todas as crianças nasciam de ovos e tinham asas.
Por isso, quando os vizinho ouviram chorinho de criança naquela casa e não viram sinais de casca de ovo no lixo ficaram desconfiadíssimos. Resolveram chamar a polícia... podia muito bem ser um sequestro. Afinal, pensavam alguns, aquele casal era muito estranho: além de não ter asas também tinha muitos segredos, incluindo um sótão misterioso.
Os guardas do Rei vieram zunindo pelo ar com suas asas e suas armaduras metálicas. Chegaram e foram arrombando a porta a pontapés. Pediram para ver o berço da criança. Os pais mostraram. Revistaram toda a casa em busca de restos de casca de ovo. Nada.
Então, pediram para que a a mãe mostrasse as asas da menininha que havia nascido.
A mãe ficou muito nervosa e disse que não podia mostrar porque as asas da bebezinha ainda eram muito fraquinhas. Os guardas acharam aquilo suspeito e contaram ao Rei.
O Rei decidiu que os pais deveriam fazer um exame de DNA para provar que a menina era mesmo filha deles. Os guardas voltaram e tiraram uma gota de sangue do pai, uma gota de sangue da mãe e uma gotinha de sangue da bebezinha.  O casal era mesmo pai da menininha sem asas.
O Rei tentou se desculpar enviando para o batizado um vestidinho feito de fios de ouro e esmeraldas e sapatinhos de penas de beija-flor. Sua verdadeira intenção era  aparecer para todos como um bom rei e ser convidado para padrinho de Rute, a menina de asas. Os pais de Rute agradeceram educadamente e - sem dizer nada para ninguém - convidaram para padrinhos seus amigos, desmancharam o vestido e distribuíram os fios de ouro às pessoas pobres, devolveram as penas aos beija-flores e lançaram as esmeraldas ao rio.
Quando o Rei percebeu que não havia sido atendido, ficou tão furioso que teve brotoejas e nunca mais melhorou. Para não passar vergonha, isolou-se em seu castelo. Por isso, a história da menina que tinha nascido sem asas foi sendo aos poucos esquecida...
E Rute foi crescendo e fazendo o que todas as crianças fazem, inclusive ir à escola. Ninguém mais estranhava quando a menina não levantava voo e preferia andar. Afinal, aquela família era tão diferente! Gostavam muito de plantar flores e, assim, todos achavam normal que Rute andasse pelos caminhos semeando flores e cuidando delas.
Tudo foi tranquilo até que...
__Amanhã será o Dia do Ovo! - disse a professora animadamente - o dia mais importante do nosso país!!!
Os pais de Rute já haviam avisado que esse dia chegaria. Era assim: no Dia do Ovo, todos os estudantes levavam dentro de sacolas de mercado os restos da casca do ovo de seu nascimento. Mostravam aos colegas, contavam vantagens sobre sua casca, comparavam tamanhos, texturas, cores e cada um apresentava para toda turma a casca, contando histórias sobre ela.
No outro dia, Rute foi para a escola... cheia de medo... O que ela faria quando a professora a chamasse diante de toda a turma? O rebuliço era grande, já na entrada as crianças não se aguentavam e mostravam umas as outras as casquinhas numa alegria enorme.
Rute estava pensativa. Os pais a deixaram mais tranquila e disseram que, na hora de falar, era só respirar fundo e lembrar do sótão que havia em casa. Na aula a hora foi chegando, foi chegando e... chegou! A professora a chamou e Rute se dirigiu para a frente do quadro em passinhos curtos, esperando que alguma coisa a salvasse... Quando chegou lá, teve uma ideia...
__Antes de mostrar minha casca, queria dizer que conheci um príncipe que era apaixonado por uma rosa...

__Como você o conheceu, Rute? - pediram, curiosos, todos os colegas.
E Rute contou uma longa história.
__Antes de mostrar minha casca, queria dizer que conheci uma menina que viajou através de um espelho e foi para um mundo muito diferente do nosso...
__Como você a conheceu, Rute? - pediram, curiosos, todos os colegas.
E Rute contou uma longa história.
__Antes de mostrar minha casca, queria dizer que conheci um homem que lutava contra moinhos de vento pensando que eram monstros...
__Como você o conheceu, Rute? - pediram, curiosos, todos os colegas.
E Rute contou uma longa história.
__Antes de mostrar minha casca, queria dizer que conheci uma boneca que falava como gente...
__Como você a conheceu, Rute? - pediram, curiosos, todos os colegas.
E Rute contou uma longa história... que não conseguiu acabar porque o sinal bateu e todos saíram correndo: a aula e o Dia do Ovo haviam acabado.
Daquele dia em diante, todos ficaram curiosos: como Rute conhecia tantas pessoas? Ninguém pensava mais se ela tinha ou não asas porque todos queriam era saber de onde ela tinha conhecido tantos personagens diferentes. Os colegas combinaram que a melhor amiga de Rute, Magali, serviria como espiã.
E lá se foi Magali espionar. Cuidava daqui, cuidava dali e nada de descobrir. Até que um dia, Magali fingiu que tinha ido embora da casa de Rute e se escondeu embaixo da cama. Rute voltou ao quarto e subiu pela escada do sótão.
"Um sótão!" - pensou Magali - "Ali deve estar o segredo de Rute!"
A amiga esperou que a menina subisse e subiu atrás... tudo ficou escuro... quando seus olhos se acostumaram à escuridão, Magali percebeu que no fundo do sótão havia coisas brilhantes arrumadas todas em estantes... eram livros!!! Pareciam estrelas iluminando a escuridão... Era dali que Rute conhecia tanta gente!
No outro dia, quando foi à escola Magali percebeu que Rute tinha asas, sim! Não asas comuns feitas de penas, mas assas bem fininhas, quase invisíveis... asas da imaginação...

* * *
E no final da contação, todas as crianças soltaram a imaginação: ganharam as estrelas de Rute... um montão de livros e pintura facial!




Autor: Pablo Morenno
Ilustradores: Walther Moreira Santo/Thiago Laurentino

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